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domingo, 24 de julho de 2011

Na hora da verdade


É tempo de criação de uma Comissão da Verdade com o objetivo de se esclarecer de uma vez por todas as violações de diretos humanos ocorridas no período da ditadura civil-militar que assolou o Brasil a partir de 1 de abril de 1964.


Projeto nesse sentido está tramitando na Câmara dos Deputados, mas que vai depender da mobilização da sociedade brasileira para que se torne uma realidade concreta e não apenas um arremedo que no final das contas não esclareça verdadeiramente os fatos ocorridos no período da ditadura e que depõem contra o gênero humano.

Setores conservadores com espaço garantido na mídia de mercado, como no jornal O Globo, já tentam de todas as formas incutir na opinião pública a ideia segundo a qual deve se investigar também o que fez a esquerda de 64 a 85. Eis aí uma falsa discussão, que só serve mesmo para desviar a atenção do que se deseja mesmo, ou seja, o esclarecimento de tudo o que aconteceu em matéria de desrespeito aos direitos humanos pelo Estado brasileiro e que foi jogado debaixo do tapete.

A esquerda já foi devidamente investigada, inclusive por setores que hoje tentam de todas as formas possíveis evitar que se conheçam as verdades. Foi também punida, com assassinatos, prisões, torturas e cassações de mandatos de representantes do povo que não compactuavam com o arbítrio.

O que se quer também é que nesta Comissão da Verdade que está sendo apreciada pelos deputados haja espaço para a Memória e Justiça. Há casos concretos, com testemunhas vivas, sobre fatos importantes e que ajudarão a se chegar a Verdade com maiúscula.

Se funcionar mesmo como se espera, a Comissão, mesmo chegando atrasada ajudará a desvendar muitos segredos, inclusive à participação de serviços de inteligência de países como os Estados Unidos, especialmente a CIA. Se alguém tem dúvidas a esse respeito deve lembrar a participação na polícia de Minas Gerais do agente Dan Mitrione.

Para os que têm curta memória, Mitrione foi convidado para ensinar aos policiais mineiros pelo então golpista civil, governador Magalhães Pinto. O agente estadunidense ensinou a prática de tortura aos repressores brasileiros. Tanto assim que acabou recebendo uma condecoração por serviços prestados à polícia de Minas Gerais.

Mitrione morreu assassinado ou justiçado, dependendo do ângulo de entendimento do fato, em Montevidéu, ao ser julgado pelo grupo armado uruguaio Tupamaros. Na ocasião foi constatado também o recebimento por Mitrione da medalha por serviços prestados, concedida pela polícia mineira. O fato está relatado no filme Estado de Sítio, de Costa Gravas, um clássico da cinematografia e serviu ao grupo armado que o descobriu a formar juízo sobre o agente.

É muito importante lembrar a presença de Mitrione no Brasil pois remete à participação da CIA por aqui, fato que precisa ser devidamente investigado e que também ajudará ao esclarecimento oficial das violações dos direitos humanos.

E se há dúvidas sobre a presença de Mitrione em Belo Horizonte, uma consulta aos jornais mineiros da época mostrará como o agente da CIA foi recebido com honrarias pela alta sociedade de Belo Horizonte.

Há também testemunhas de que em interrogatórios no Cenimar (serviço de inteligência da Marinha) estavam presentes agentes falando inglês e que poderiam ser observadores ou orientadores de torturas. Seja qual tenha sido a participação desses agentes, caberia a uma Comissão da Verdade esclarecer tais fatos.

Vários cidadãos brasileiros, vítimas da ditadura que passaram por aquele serviço de inteligência, inclusive o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira, hoje vivendo na Alemanha, podem prestar informações sobre fatos que vivenciaram.

No prefácio à quarta edição do livro “Presença dos Estados Unidos no Brasil”, publicado há dois anos, Moniz Bandeira confirma a presença de dois agentes da CIA quando ele esteve preso naquela dependência da Marinha. “No pelotão do Cenimar, que me prendeu na minha granja, havia um estrangeiro, que se dizia tcheco, mas na verdade era americano e da CIA. Isto posteriormente me foi confirmado por um oficial de Marinha“.

E Moniz Bandeira acrescenta: ”Quando cheguei preso ao Cenimar, vi dois homens falando inglês. Não sei se eram oficiais. Estavam à paisana, com camisa de manga curta, como os americanos usavam e só podiam pertencer à CIA, cuja cooperação o único órgão de inteligência que aceitou, no governo Jango, foi o Cenimar”.

Moniz Bandeira é um importante pesquisador e conhece a fundo as relações Brasil-EUA. Seu depoimento numa Comissão da Verdade seria da máxima importância e ajudaria os brasileiros a conhecerem com maior precisão a participação da CIA na repressão aos movimentos de oposição.

Isso é importante e naturalmente está no contexto da Comissão Nacional da Verdade, e acrescente-se: Memória e Justiça. E para que isso aconteça, vale sempre repetir, é fundamental que a opinião pública também exija que a verdade oficialmente venha mesmo à tona e se evite um acordo para que não se vá ao fundo das questões. Além do mais, quem pode garantir que a CIA não continua atuante por aqui e até mesmo cooptando colaboradores?


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