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São Paulo (SP) - Ontem, 23 de abril, data de falecimento de Miguel de Cervantes e que também teria sido a de William Shakespeare, comemorou-se o Dia Mundial do Livro, instituído pela UNESCO. No meu tempo de criança, costumava-se dizer que todo homem deveria plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. No que me diz respeito, já plantei mais de uma árvore, mormente agora que estou residindo numa chácara, tenho dois filhos e, quanto a escrever um livro, procurei fazer algo diferente. Escrevi um conto, composto de três capitulos, todo ele desenvolvido sobre títulos de obras literárias e seus personagens. Os capitulos se completam, mas, podem ser publicados isoladamente, sem perder o sentido. Assim, dessa homenagem ao meu melhor amigo, com os respectivos destaques em negrito, para facilitar a leitura, apresento o capitulo I, intitulado:
O SARAU
"Numa pensão instalada em casarão da Avenida Angélica, nada parecida com O Cortiço (Aluísio Azevedo) dos arredores da cidade, tinha lugar concorrida reunião festiva. Desde que dera baixa da Marinha de Guerra, o anfitrião, Petronio Quintana, residia naquela casa de cômodos, na condição de inquilino de um dos quartos. Natural do Rio de Janeiro, viera para São Paulo em busca de vida nova. Personalidade singular, meia idade, instrução secundária e solteirão. Apaixonado pelas letras, conseguira emprego numa editora. Nas horas de folga, quando não devorava com os olhos os manuscritos que caiam em suas mãos, podia ser encontrado nas bibliotecas públicas.
Os primeiros convidados a chegar ao sarau, formando um belo casal, foram Juca Mulato (Menotti del Picchia) e A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), seguidos de Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado). Entre doces, quitutes e água tônica de quinino, os convidados dialogavam em prosa e verso, com a música, clássica e popular, também ocupando espaço nas conversações. Num dos cantos da sala, colocando as Cartas na Mesa (Agatha Christie), A Cartomante (Machado de Assis) lia a sorte do anfitrião, cujo interesse tinha por objeto o futuro das suas memórias e o destino que a elas pretendia dar. Afinal, tratava-se de uma obra literária inspirada no Diário Íntimo, de Lima Barreto. A previsão não fora nada animadora. Petronio agradeceu, levantou-se da cadeira, saiu cabisbaixo, mas logo se refez. Dando de ombros às conjecturas, decidiu aproveitar a festa, por sinal realizada com suas parcas economias.
Em outro canto, a tudo observara O Fantasma de Canterville (Oscar Wilde), já antevendo quem seria seu próximo companheiro. Na sua peculiar comemoração, passou o resto do tempo se divertindo em assustar os demais, poupando apenas as crianças, entre elas O Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry). O garoto de sangue azul, ostentando A Bota de Sete Léguas (José Lins do Rego), encantava-se com as Reinações de Narizinho (Monteiro Lobato) e com o jocoso relato do seu amiguinho Gilberto, sobre A Vida do Elefante Basílio (Érico Veríssimo). No limiar das 21:00 horas, O Presidente Negro (Monteiro Lobato), responsável pela guarda dos menores, levou-os para suas respectivas casas. Chegando desacompanhado, Macunaíma (Mário de Andrade) justificou seu atraso. Disse que tivera de socorrer Teresa Batista Cansada de Guerra (Jorge Amado), vítima de outro ataque de nervos.
Num circulo à parte, O Guia dos Curiosos (Marcelo Duarte) era questionado sobre diversos assuntos, com a ornitologia ganhando destaque num dado momento. Se O Amor é Um Pássaro Vermelho (Lucília Junqueira de Almeida Prado), qual seria a cor de Um Pássaro em Pânico (Elias José) ? E o Pássaro Cego (Augusto Frederico Schmidt), como voaria ? Onde se esconderia O Pássaro Oculto (Octávio de Faria) ? Se não foi João-de-Barro, quem construiu O Sobradinho dos Pardais (Herberto Sales) ? Satisfeitas estas e outras curiosidades, ao lhe indagaram a que desfecho chegaria O Processo (Franz Kafka) Contra Toda a Esperança (Armando Valladares), o interpelado delegou a resposta à História do Futuro (Pe. Antônio Vieira).
Cerca da meia-noite, os presentes reuniram-se em torno da mesa central, para um instante de reflexão, à exceção do Diabo Branco (Leon Tolstoi). Carrancudo e de braços cruzados, insistia em manter-se à distância. Constrangido com a situação, o anfitrião apelou para Esaú e Jacó (Machado de Asssis), pedindo-lhes que demovessem o rebelde da sua posição. O diálogo, contudo, fora em vão. Ao som das Canções de Amor (Ribeiro Couto), alguns convidados passaram a se aquecer com um delicioso cafezinho e um saboroso licor, enquanto outros resolveram dançar. Petronio valsou com Maria Bonita (Afrânio Peixoto), sob os olhares enciumados da platéia masculina. Entusiasmados, Juca Mulato e A Moreninha deslizaram seus passos aos acordes de um chorinho. Dona Flor, sempre risonha e extravasando alegria, exibiu seus dotes de cantora, interpretando o Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu). Vieram instantes de Encantamento (Guilherme de Almeida), com Clarissa (Érico Veríssimo) declamando os Poemas do Vício e da Virtude (Menotti del Picchia).
Quando O Relógio de Pêndulo (Cassiano Ricardo) daquela Casa de Hóspedes (Charles Dickens) bateu para anunciar duas horas da madrugada, não restava mais nenhum convidado. Os que lá moravam já tinham se recolhido aos seus aposentos, ficando na sala apenas o anfitrião e a Senhora (José de Alencar) dona da pensão. Embora exaustos e uma vez superada a rusga, pela atenção que Petronio dispensara à Maria Bonita, não relutaram em dormir juntos, como de hábito. Se Eu Morresse Amanhã ! (Álvares de Azevedo), pensaram ambos, iria me arrepender de não ter aproveitado Os Últimos Momentos (Raimundo Correia). Consumada a relação sexual e quando sua amante já cochilava, Petronio era só felicidade. Para ele, que ocupara um posto subalterno na Armada, aquela, salvo dois ou três incidentes de somenos, fora uma Noite de Almirante (Machado de Assis) !"
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