Ando mesmo convencido, e cada vez mais, de que, para o bem da circulação das ideias e da proposição saudável do contraditório, não devemos “partidarizar” certos assuntos com tratamento maniqueísta ou fundamentalista que não ajuda a esclarecer e estigmatiza posicionamentos em função da coloração política de seus autores. Falo isso, hoje, a propósito de uma crônica do Arnaldo Jabor, que ouvi há dias na CBN, em que ele fazia considerações sobre o filme “Se beber não case II”.
Geralmente, quando o Jabor abre a boca para falar de política (ou seria o bico, pelo viés tucano de suas palavras?), minha tendência é discordar dele em gênero, número e grau, porque, a meu juízo, nesse campo ele se incorpora ao pensamento neoliberal com o qual jamais virei a compactuar, nivelando-se ao grupo “global” de uma mídia que quer ser um partido político sem os ônus de sê-lo e sob o disfarce da “crítica de interesse público”.
Contudo, não nego ao jornalista/cineasta o brilho intelectual que possui. Isso seria a tal visão maniqueísta que não pretendo manifestar. Assim, e voltando à sua crônica, participo do que ali ele disse sobre o filme, na realidade um exemplo por ele escolhido para falar da mediocridade que cerca a maior parte dos filmes que chegam aos circuitos brasileiros, geralmente americanos, do tipo “besteirol”, em um apregoado apelo popular que, na verdade, é um primado de idiotice e, por isso, emburrecedor.
Joãozinho Trinta, em certa oportunidade falsamente guindado pela mídia à condição de “filósofo popular”, teve repercutida frase a ele atribuída de que “quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo”, para justificar a descaracterização dos elementos populares nos desfiles das escolas de samba, marcados por apoteóticos efeitos especiais. É óbvio que não apenas as camadas populares, mas qualquer cidadão normal, não pode mesmo gostar de miséria. Mas isso não quer dizer, por via de consequência, “gostar do luxo”, do supérfluo, e sonhar com o fausto e a ostentação, trocando, pelo devaneio, a realidade concreta a modificar no plano social. Na verdade, o que o povo quer, aquilo pelo qual deve ser estimulado a lutar, é paz, educação, saúde, dignidade, cidadania.
Essa enxurrada de filmes de quinta categoria, que tratam do escatológico, valorizam o pornográfico e constroem a imbecilidade travestida de humor, apenas reproduz, a meu ver, um processo crônico, tão velho quanto o mundo, de desqualificação e emburrecimento das grandes massas populares, através do empobrecimento cultural.
Sempre souberam disso os poderes estabelecidos constituintes do assim chamado “sistema” – algo que passa por cima de governos e de siglas partidárias, como guardiões do “status quo”. Desde sempre, vêm “alimentando” o povo com futilidades a baboseiras que o convidam a rir (talvez de si mesmo), divertir-se com a vulgaridade e o ridículo, mas nunca a refletir. Isso vem do “pão e circo” romano, passa pelo ópio na China, chega às mídias “amortecedoras” de hoje. É um estranho amortecimento, que envolve ensandecidas corridas de carro, centenas de disparos e montões de corpos ensanguentados, às vezes em 3D...
O Jabor não falou – e acho que não falaria – que não é só no cinema que assistimos a esse festival de coisa alguma que enche de nada as cabeças e convidam a não chegar a qualquer lugar. O que dizer, por exemplo, da nossa programação da tevê aberta, com sua zorra total, seus caldeirões e outros “ões”, suas fazendas e big brothers, chaves, ratinhos e outros bichos? O que falar da missão que cumprem as atuais novelas da tevê, numa sucessão que cobre todo o horário nobre com suas previsíveis futilidades e falsas preocupações? Uma novela “digestiva” para a noite dos brasileiros, vá lá... Mas quatro seguidas é demais... Impossível que não seja intencional...
Um povo se fortalece na educação, isso já virou lugar-comum. Mas educação é tema que permeia diversos segmentos que compõem o espectro social e tem muitos atores. Ninguém ousa falar de cultura como um bem de apropriação exclusiva nas escolas. Uma letra do cancioneiro popular afirma que “samba não se aprende no colégio”, a mostrar que certos valores culturais estão no cotidiano, no interagir diário.
O cinema, a tevê, o rádio são alguns dos veículos auxiliares da disseminação desses valores. Mas não são entes mágicos, demiurgos, ou algo assim. Têm, atrás de si, homens de carne e osso que pautam suas programações e firmam sua ideologia. E se o objetivo dessas pessoas é a manutenção de um processo de empobrecimento cultural que serve às elites que elas representam – através dos filmes que o Jabor critica e da formação subliminarmente perversa das grades da tevê – quem trabalha em educação, como eu, só pode lamentar. E, mais que isso, denunciar.
É claro que o cidadão pode decidir não ir ao cinema, ou escolher filmes de qualidade, que os há. É óbvio que qualquer um pode desligar a tevê ou nela buscar uma programação alternativa, que ainda existe. Mas todos sabemos a força dos processos de massificação e como é difícil alguém escapar das técnicas e métodos de propaganda que fazem muitos engolir gato por lebre e, para dar um exemplo no âmbito da música popular, trocar o “ponha-se a pensar” das composições de ontem por um “tira o pé do chão” dos “sons” de hoje.
Romper esse círculo vicioso e viciado que empobrece a mente dos brasileiros é tarefa hercúlea, sem grandes possibilidades de êxito, tal o rolo compressor que nos esmaga. Mas é preciso insistir...
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