Publicado em 10/04/2011
Órgão emigrante entra em crise
Berna (Suiça) - Apenas seis meses depois de empossado, surge uma crise dentro do conselho de emigrantes, CRBE, que deveria provocar uma sua reavaliação conceitual pelo novo governo. A crise aparente é a insatisfação de muitos suplentes por não serem informados pelos titulares eleitos e de sequer poderem ir participar, mesmo como observadores, da reunião do CRBE, do 2 ao 6 de maio, em Brasília.
Na verdade, há uma disfuncionalidade provocada talvez pela distância entre os membros do CRBE, agravada por uma dificuldade de comunicação e de avaliação das expectativas e mesmo pela não integração de alguns membros dentro do grupo de trabalho. Muitos se queixam da falta de retorno e de um contato próximo da Subsecretaria dirigida por diplomatas, à qual está subordinado o CRBE, enquanto uma minoria de membros cumpridora de suas tarefas constata um imobilismo quase geral.
Porém, essa avaria funcional não é a causa principal. Ela decorre de um erro conceitual de criação. A falha não está na diferença de capacidade organizacional dos membros e nem na maneira protocolar como são tratados pelo Itamaraty, mais habituado com uma direção verticalizada. A falha vem do projeto inicial.
O erro foi o de começar pelo fim e não pelo começo. Como se procurou frisar na I Conferência de emigrantes, em julho de 2008, o ponto de partida deveria ter sido uma Comissão Mista de Transição para se estudar e avaliar a instituição de um órgão emigrante independente do Itamaraty. A função do MRE seria, naquela época, só a de lançadora do projeto de uma política brasileira de emigração.
Porém, o governo, mal orientado e desconhecendo sua própria emigração, optou pela fórmula paternalista de se criar um conselho de emigrantes encarregado de assegurar a interlocução, a palavra enfática utilizada, entre o governo e os emigrantes. Só que a teoria na prática é outra coisa.
Como se iria criar um conselho representativo dos emigrantes ? Optou-se por eleições e foram eleitos representantes de grupos e apenas alguns representantes de emigrantes. Com receio de serem ultrapassados pelos emigrantes, o Itamaraty lhes concedeu apenas uma assessoria sem qualquer poder de escolha ou de decisão. As eleições intempestivas, pois o mandato de Lula ia terminar e se queria concluir o mostruário da política da emigração, ocorreram sob denúncias de fraudes e de votos de cabresto.
O resultado foram 28 mil votantes num total de 3,5 milhões de emigrantes, uma proporção ridícula em termos de representatividade. E qual a função desse órgão hipoteticamente representativo dos emigrantes ? Apresentar ao governo as reivindicações dos emigrantes. E, depois de terem sido detectadas umas 150 demandas principais, já se começa a cair forçosamente numa repetição anual.
Tudo se torna extremamente frustrante, quando se sabe que o governo pelo MRE discutiu com os outros ministérios e entidades governamentais as principais reivindicações dos emigrantes na III Conferência de emigrantes, sem a presença dos representantes dos emigrantes no CRBE. Só uma voz se levantou para manifestar sua estranheza diante disso, porém os outros, conscientes de sua incapacidade de poder fazer alguma coisa, discutiam cartões de visita.
A gota d´água foi uma consulta feita por um dos conselheiros eleitos ao ter descoberto, meio por acaso, que um dos titulares não poderia participar de todo o encontro do CRBE em maio, em Brasília. Para evitar que essa irregularidade ocorresse, a consulta invocava a necessidade da convocação do suplente subsituto. E aí ocorreu o inacreditável – o Itamaraty interferiu junto ao empregador do titular impossibilitado de comparecer, para obter sua dispensa. E conseguiu.
Só que – e aí o chamado escândalo – descobriu-se que o empregador do titular era o Consulado de Barcelona, ou seja, o titular do CRBE tinha conseguido recentemente um emprego no Centro de Estudos Brasileiros daquela cidade. Ora, de tutor do movimento emigrante, o Itamaraty tinha conseguido ser também parte integrante do Conselho de Emigrantes. E, se ninguém protesta quando o chamado Conselho de Cidadania dos emigrantes terá como presidente o consul local, imaginou-se que ninguém levantaria a objeção de incompatibilidade função.
É verdade que o membro do CRBE exerce uma função voluntária, não remunerada (bastante econômica para o Itamaraty que aposta na vaidade de cada um) mas, segundo o decreto de criação, trata-se de função de alta relevância e, por isso, sua representatividade dos emigrantes não pode ser acumulada com o exercício de uma função, mesmo por contrato local, numa repartição pública federal.
O vínculo empregatício advém do recibo de pagamento, se o salário foi versado por um órgão do governo, cria-se a presunção de assalariado do governo e, portanto, impossibilitado de exercer ao mesmo tempo um cargo privativo de emigrantes. No caso de a recente criação do CRBE não ter provocado um regulamento a respeito, decorre uma incompatibilidade deontológica ou moral.
Porém, o governo poderia utilizar esse quiproquó no CRBE para reavaliar sua política da emigração. Como disse um conselheiro suplente, « o governo assinou um Decreto criando o CRBE, mas nada impede que assine um outro Decreto ».
A solução, como temos afirmado desde 2007, é começar pelo começo e criar primeiro uma Secretaria de Estado dos Emigrantes, que com um quadro misto competente, com a contribuição de todos os Ministérios, fixará as linhas estruturais da política de emigração. Ao mesmo tempo, a bancada do governo obterá do Cogresso a PEC criando os parlamentares emigrantes e, em terceiro lugar, se criará um amplo Conselho de Emigrantes.
E, coisa fundamental, tudo deverá ser feito sem a tutela do Itamaraty, inspirado num conceito de autodeterminação dos emigrantes.
PS. Apesar dessa questão em debate ter provocado reações pessoais, enfatizo mais uma vez que se trata de uma questão conceitual e política, que não envolve nem conselheiros do CRBE e nem diplomatas do Itamaraty, considerados como pessoas.
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